Recensão crítica de Paulo Seara a “Restos de Silêncio”, Nelson Ferraz

Recensão crítica de Paulo Seara a “Restos de Silêncio”, Nelson Ferraz

       

Recensão crítica de Paulo Seara a “Restos de Silêncio”, Nelson Ferraz (Prémio Literário Santos Lessa 2023), em artigo publicado no site goodreads

Nelson Ferraz, poeta galardoado com o prémio Santos Lessa 2023 pelo livro Restos de Silêncio levado a concurso pela editora Seda Publicações, propõe-se a desamordaçar as palavras aprisionadas no mundo natural, estabelecendo uma dança entre um mundo universo de areias, corais, marés, ondas, e elementos marítimos e portuários e o humano que deixa as ressonâncias da alma literária se envolver nesta tessitura.
A paisagem marítima tem sido foco de muitas poesias e alvoreceu livros dos mais diversos estilos e formosuras. No primeiro poema, Nelson Ferraz apresenta o Mar como um cavalo de granito com asas de espuma: reconstrói o Mar, que se torna num Animal. Mar, não é somente um grande reservatório de água salgada: janela, casa, árvore, um pescador cansado que perdeu a sua individualidade, e por fim, o poeta até apresenta o Mar como um espaço de solidão de um peixe exilado no meio de um imenso cardume.
Existe nas poesias de Restos de Silêncio uma dignidade marítima e dramática da teatralidade da palavra que faz do espaço marítimo um palco, uma poesia de tonalidade nórdicas, com nortadas de metáforas que explodem em segundos, ou então a dança lenta do sol na paisagem de inverno, uma dança de passos lentos solistíciais.
Na página 23, o poeta deixa-nos um lamento, uma reflexão; “escrever sobre o mar/ é uma tarefa difícil”. Com esta humildade o poeta descasca-se como uma cebola. Ah! Se todas as tarefas complicadas fossem cantar o mar. Facto curioso neste livro; temos metáforas que parecem ter sido retiradas de um livro de ciências naturais, da física; o poeta deixa-nos um pequeno estudo sobre a ilusão óptica que por vezes ocorre no mar como a ilusão óptica fata-morgana: “como uma pedra/ cheia de silêncios/ a passar ao largo” – como sabemos as pedras não se movem. Porém, sob a tinta da caneta de Nelson Ferraz, levitam.
Saltam ao leitor durante a leitura desta recolha poética elementos contemporâneos, as poetas do passado cantavam o Mar puro e fino ou agressivo, Nelson Ferraz no poema da página 32 declara que escreve uma biografia de plástico sobre o mar, a que os peixes são alheios. Na infância do poeta raras eram as poluições na orla marítima. Ele relembra assim uma idade de ouro, neste tempo de ressentimentos e culpabilizações pós-industriais.
O poeta declama ao Mar que em algumas culturas é uma mulher, que o silêncio está a morrer, escreve na página 36, com um giz grosso e fundo que em cada sinal ligado à água e ao Mar, vai explodir a liberdade, o poeta medita durante o crepúsculo que dança em câmara lenta – ele espera a revolução. Pode parecer um poema triste numa primeira leitura.
A busca do silêncio nos lugares secretos: poros da terra, livros, o coito; lugares onde testemunhos tempestuosos podem aparecer subitamente a toda a brida. São exemplos de antíteses poderosas.
O último poema, na página 41, o poeta escreve na sua casa, quer voltar ao princípio após ser ontem, recomeça inocentemente como uma criança, o poeta e a criança unem-se num único corpo: unidade. São restos de silêncio alados para o uno.              

 

Carrinho (0)

Carrinho