Texto de Libânia Madureira para a apresentação de Voar é preciso.
Como disse Victor Hugo:
“A poesia é tudo o que há de íntimo em tudo” .
Hoje, é um dia muito especial para mim, pois falar de Maria Mamede, cuja pena delicada, tece os fios da poesia desde 1977, revelando-se uma voz única e cativante no panorama literário português, nascida sob o nome de Maria do Céu Silva Fernandes, em 1947, eleva-se da pitoresca S. Mamede de Infesta, para encantar o mundo, deixando um legado de 30 livros de poesia, contos, obras infanto-juvenis e estudos linguísticos e etnográficos e traduções. Uma artesã versátil, cujo compromisso com a magia das palavras é eterno e inspirador.
Ao abrir as páginas deste “Poemário”, em três partes: “Voar é Preciso”, somos instantaneamente transportados para um mundo, onde as palavras dançam ao ritmo de uma alma inquieta. É como se nos encontrássemos na presença de um pássaro gracioso, que debica palavras e ritmos dos versos… conduzindo-nos por um caminho de melodia e emoção. Falar da poesia de Maria Mamede, é mais do que simplesmente descrever suas palavras; é adentrar os seus pensamentos mais íntimos, é tentar voar com ela, através das nuances da linguagem poética. Nesta obra encontramos uma língua diferente, uma linguagem dentro da linguagem, onde as palavras não apenas se revelam, mas também ecoam como sons, imagens e gestos, transcendendo o seu significado convencional… que nos conduz por caminhos de introspecção e reflexão, revelando a beleza e a complexidade das emoções humanas. Em “Voar é Preciso”, Maria Mamede, presenteia-nos com a beleza da linguagem poética, onde cada palavra é cuidadosamente escolhida, não apenas pelo seu significado, mas também pelo seu som, pela sua cadência, pela sua musicalidade. Aqui, a poesia não é apenas lida, é experimentada, sentida e vivida. Através da sensibilidade de Maria Mamede, somos convidados a mergulhar num universo de admiração pela vida, de reflexão sobre o mundo e de celebração das emoções mais profundas. Sua alma poética resplandece em cada página, tocando nossos corações e inspirando-nos a também alçar voo para além das limitações do quotidiano. “Voar é Preciso”… não é apenas um livro de poesia; é um convite para uma jornada de descoberta e encantamento, guiada pela voz suave e poderosa de uma autora que entende verdadeiramente a magia das palavras… num convite para mergulhar nas profundezas da alma humana, por meio de três partes encantadoras: “A Invasão dos Pássaros”, “Diário da Minha Solidão” e “Como o Vento nos Canaviais”. Cada parte é um universo poético por si só, reflectindo a vastidão de emoções e experiências que permeiam a existência humana.
“Ao partires os pássaros invadiram / as cidades do meu peito e ficou vazia a tua casa… / então os seus olhos / penetraram os meus olhos / e voaram a construir outras estórias!”
E em cada vazio, os pássaros tecem novas histórias, onde nossos olhos se encontram, para voar além do tempo e construir um novo lar de sonhos.”
Em “A Invasão dos Pássaros”, Maria Mamede, conduz-nos por um voo através dos céus da imaginação, onde os pássaros são mensageiros de sonhos e libertação. Destacando-se poemas como “Voar é Preciso”, que empresta o título ao livro e convida o leitor a alçar voo rumo ao desconhecido,
“Há nos pássaros algo de comum / com o meu sentir… / talvez a liberdade / talvez a inquietação / mas esse bulir constante / tem para mim / algo de barco / sempre acostando / ou partindo / do cais do meu peito. / E eu, nascida sem asas / parto, nos olhos deles / como eles ficam / nos meus!…”
O seu coração é o porto para os pássaros da alma, onde a liberdade e a inquietação se encontram, em cada acostar e partir. Assim como eles habitam em nossos olhos, nós permanecemos ancorados nos seus, numa dança eterna de encontros e partidas e as”Asas da Liberdade”, é uma ode à busca pela emancipação interior… Nas asas dos pássaros reside a liberdade verdadeira, aquela que não busca reconhecimento ou domínio. São livres… porque voar é sua essência, e quem nasce para o céu… não conhece amarras além do próprio horizonte…
…”e são livres / nessa liberdade inconsciente / que dispensa conquistas…
livres / porque têm asas / e podem ir e vir / sem pedir licença / livres
porque quem, como eles / assim nasce / não conhece outra lei!”
Em “Diário da Minha Solidão” , mergulha nas profundezas da alma solitária, explorando os recantos mais íntimos e silenciosos da existência. Nesta parte, encontramos poesias como “Sussurros do Silêncio”, onde ecoam os murmúrios da solidão… nos crepúsculos que choram saudades, enquanto os roxos do céu testemunham a partida…. Embora o sol prometa retornar e a vida seguir seu curso… essa fome por ti… que deveria diminuir, apenas iguala à fome do infinito… Um arrepio de solidão envolve… e na tristeza embrulhada… o retorno ao silêncio da alma
“Há em cada crepúsculo um choro dorido a falar saudades / e os laivos roxos no firmamento dizem da partida… / sei que amanhã o sol regressa, que a vida continua, / que as estações se sucedem, mas esta fome de ti / que deveria mingar, iguala em tamanho a minha fome de infinito; / um arrepio me percorre e embrulhada em solidão / volto à tristeza!…”
e a “Alma Despida”, onde a autora desnuda seus pensamentos mais íntimos com uma sinceridade comovente…nas letras d’um nome, um turbilhão de emoções fere o peito… enquanto a Solidão, o Amor, a Raiva, a Tristeza e a Saudade, travam uma batalha pela supremacia. No fim, é a Solidão que prevalece, instalando-se e aguardando silenciosa a hora da partida.
“As letras do teu nome todas ferem o meu peito! / Solidão, Amor, Raiva, Tristeza, Saudade e lutam cá dentro / pelo melhor lugar; / mas a Solidão vencendo-as, instala-se e espera a hora da partida.”
Por fim, em “Como o Vento nos Canaviais”, Maria Mamede transporta-nos para a vastidão dos campos, onde o vento sussurra segredos e histórias antigas. Destacam-se poemas como “Canto dos Ventos”, que ecoa a melodia dos elementos da natureza, como uma sinfonia de árias diversas que ecoam, únicas na sua melodia… mas unidas na essência da vida. Cânticos que se entrelaçam… lágrimas que se misturam… como o vento que chora nos canaviais, numa dança eterna de harmonia e emoção…
“Na Natureza / há canções diversas / todas diferentes / e todas iguais / canções que se cantam / canções que se choram / como chora o vento / nos canaviais!”
e “Na Dança das Canas”, que nos convida a dançar ao ritmo da vida, mesmo nas adversidades… nas madrugadas, o Brasil desperta com o vento a dançar entre os coqueirais, enquanto na terra natal, onde a saudade é eterna companheira… o vento entoa sua melodia nos canaviais, ecoando lembranças e emoções…onde a poesia se torna uma força da natureza, soprando através de nossas almas… como uma brisa suave ou um furacão avassalador. Aqui, a autora nos convida a dançar com as palavras… a sentir o pulsar da vida em cada verso.
“Quatro horas da manhã / e o Brasil acorda / com o vento a dançar / nos coqueirais; / na minha terra / (e a saudade é tanta) / o vento dança / nos canaviais!”
Assim, em “Voar é Preciso”, Maria Mamede presenteia os seus leitores, com um mergulho profundo na essência humana, revelando a beleza e a complexidade das nossas emoções… pensamentos e sonhos. Seu talento singular e sua sensibilidade ímpar, faz dela uma das vozes mais marcantes da poesia contemporânea portuguesa, uma verdadeira artesã das palavras, que nos inspira a voar mais alto, mesmo quando o peso da vida nos faz querer permanecer no chão.
E em “Voar é Preciso”… somos transportados para um reino… onde as criaturas aladas, povoam os céus e nossos sonhos, num voo encantador… que transcende as fronteiras da realidade…com a essência da liberdade e da busca incessante pela transcendência… e ansiosos por mais um voo em sua companhia!… Dentro deste livro, encontramos uma síntese da vasta experiência literária de Maria Mamede, cuja obra abrange desde a delicadeza dos sentimentos mais íntimos, até a grandiosidade dos temas universais. Seu nome já ecoa entre os grandes da literatura portuguesa, e “Voar é Preciso”, certamente se firmará, como mais uma pérola em sua coroa literária, enriquecendo o legado de uma autora, cuja voz ressoa além das fronteiras…do tempo e do espaço!…
Ao encerrar estas palavras de admiração e reflexão, gostaria de estender os meus mais sinceros parabéns à Maria Mamede, pela criação deste precioso livro, “Voar é Preciso”, ao seu editor, Jorge Castelo Branco, por saber acolher a capacidade da autora, em capturar a essência da vida e transformá-la em poesia, verdadeiramente inspiradora. E, como o seu
prefaciador tão bem soube captar e aqui o cito, nosso Amigo comum, Prof. António M. Oliveira: “ Talvez por isso, a escrita e a poesia de Maria Mamede neste livro estranhamente belo e também estranhamente único, não vão à procura da imaginação do leitor, só lhe pedem cumplicidade, a mesma que existe entre os estorninhos, nas incríveis voltas e curvas dos seus voos…” Que este livro possa voar alto e alcançar os corações de muitos leitores, levando consigo a mensagem de esperança, de beleza e de amor que Maria Mamede, tão habilmente teceu em cada verso. Que possamos continuar a ser agraciados com a tua poesia por muitos e muitos voos literários. Obrigada, minha querida Amiga, pelo convite para esta apresentação e por partilhares a tua arte connosco, nesta festa da palavra, numa voadura sã e fraterna!…
“A poesia é a arte de dar vida às palavras e fazer com que elas voem…”
Maia, 22 de Junho de 2024