Uma abordagem à poesia de José Fernando Magalhães – de JOSEP A. VIDAL
CARTA DE BARCELONA – Escriure per no oblidar… Un apropament a la poesia de José Fernando Magalhães – por JOSEP A. VIDAL. Texto traduzido do original em Catalão
Chove, é doce o som da chuva, / E triste! (1)
Que imagem agradável, a chegada do caminhante sedento à fonte que, à beira do caminho, jorra abundante de água fresca! O encontro da sede com a água é uma bela metáfora de plenitude: a culminação do desejo, a realização do sonho, a chegada àquele lugar ou estágio que é o objetivo da caminhada. É uma imagem poderosa da coerência, tão gratificante, entre o sentido e a experiência… Mas, enquanto não acontece, enquanto a fonte é incerta, enquanto a água é apenas uma promessa, uma esperança ou um sonho, quando é apenas desejo, necessidade, urgência da boca sedenta…, então a imagem da fonte é uma inquietação, uma constante agitação, um desencanto persistente. Sem a fonte, resta apenas o caminho interminável sem certezas, o cansaço acumulado (É longo e penoso, o caminho…2), a sede que, quanto mais cresce, mais nos acelera e mais se aprofunda em nós. A sede de uma água fresca, saciante, que nos revele o sentido e o objetivo do caminho, e a sede de uma existência plena, que nos revele o sentido do nosso itinerário vital e a coerência da finitude:
Olho o destino que persigo / E preparo a alegria da chegada, / De uma viagem que ninguém sabe / Das lutas para vencer a sorte / E dos sonhos, olhando as estrelas / Para enganar a morte. (3)
Nos poemas de José Fernando Magalhães a sede é inquietação, a inquietação é palavra, a palavra é música, a música é sentido, o sentido é plenitude ([…] E continuo no caminho / À procura de mim, / de quem é a minha pessoa. (4). Ou, dito de outra forma, há neste conjunto, os esforços, os desejos, os sonhos (e ao mesmo tempo, o cansaço, a impotência, o desencanto…); as vozes (amigas, conhecidas, familiares, e também hostis, incompreensíveis, inóspitas), o encontro com os outros, a descoberta de si mesmo, e o contraponto indispensável do silêncio (É no silêncio que toda a música me surge, / […]. / …como a linguagem do silêncio, surge o sorriso / E a harmonia espiritual acontece / Compreender o silêncio da música, é acolhedor / Compreender o silêncio das palavras, é um paraíso.5), e a dimensão do vazio (Desenho um mapa / de lugares vazios / na incessante procura / da minha verdade […] (6) e dos ecos incoerentes, incompreensíveis, indistintos que ressoam no poço de si mesmo:
Já não sou eu, / Repetidor de realidades, / Repetidor de experiências, / Esse mundo morreu! / Nada faz sentido algum.7
E, quanto à plenitude buscada, além daquela procura de mim, que já mencionei e que remete à nobre aspiração da realização pessoal, da coerência existencial, encontramos nestes versos uma igual aspiração solidária, de civilidade: a vigorosa esperança de que:
Fecunda como uma ilusão / A Verdade e a Justiça / O Bem e a Harmonia maciça / No seio da Humanidade, vencerão! (8)
Sem uma nobre aspiração de coerência última, o caminho não teria sentido nem objetivo. No entanto, em tempos de desconcerto, de frio, de solidão; em tempos de desagrado e cansaço (Tem dias em que me sinto assim / Cansado e farto / E preso / Fechado numa mala / Embrumado entre as paredes… (9), em tempos de desconcerto e melancolia, quando se agitam na alma ideias que picam para surgir e não encontram nenhuma porta aberta à palavra, quando as palavras se perdem no nada e é o nada que fala por nós…, em dias como estes, a consciência de que o caminho, que a existência deve ter um sentido, torna mais duro o desassossego do fracasso e mais dolorosa a impotência de viver na vacuidade de tantos esforços:
Já me falta o tempo / Escasseia, / Escorre por entre os dedos, / Como se fosse areia. / […] Maldito tempo, / Transformado em nada
“Os poemas que José Fernando Magalhães reúne em ‘A secreta vida das palavras à chuva’ falam-nos mais do caminho do que do objetivo, que, no entanto, nos surge não como certeza, mas como aspiração, como motor, como possibilidade ou desejo. Caminho e caminhante são sempre a mesma existência, a mesma trajetória, a mesma paisagem, a mesma investigação e a mesma descoberta. Assim, nestes versos em que a paisagem natural (Nasci na Foz / Na rua do Monte da Luz… (11) se integra como um componente vital no itinerário do caminhante, encontramos aquilo que é próprio de um (o mar agitado, o vento salgado, as florestas, as fontes e os riachos, as rochas e os campos cultivados) e do outro (o amor e a palavra, a solidão e a companhia, a ternura e a saudade) tudo fundido num mesmo pulsar. Esta fusão de trajetória vital e paisagem, de homem e natureza, implica uma forma de olhar, de contemplar o espaço, o tempo, a vida, que é essencialmente ética. Uma contemplação ‘absorta’ na espera da palavra como revelação ou manifestação do mais profundo que habita no silêncio do viver.”
- Magalhães, José Fernando: A secreta vida das palavras à chuva. Poesia 2023; “Morro com frequência”; pàg. 119. Seda Publicações / Gugol Livreiros, 2023.
- op. ct., “O caminho”, pàg. 27
- op. ct., “Som um barco com velas”, pàg. 37
- op. ct., “Nunca pertenço”, pàg. 28
- op. ct., “É no silêncio”, pàg. 96
- op. ct., “Desenho um mapa”, pàg. 54
- op. ct., “Um qualquer apreço”, pàg. 30
- op. ct., “Vigorosa esperança”, pàg. 32
- op. ct., “Tem dias”, pàg. 34
- op. ct., “Tempo”, pàg. 102
- op. ct., “Nascí na Foz”, pàg. 17