Lembrar o Padre Mário de Oliveira

Lembrar o Padre Mário de Oliveira

Joaquim Murale, Porto, Unicepe, 16 de Março de 2024.

Bom dia, queridos amigos.
É sempre um momento feliz voltar à Unicepe e ao vosso convívio, de que guardo belas e gratas lembranças. Hoje voltamos aqui por uma razão que nos entristece a todos, celebrar a memória do Padre Mário de Oliveira, um homem diferente, corajoso, humilde, de mente brilhante, que soube preservar sempre o riso cândido e espontâneo de menino. Não fora o acidente que o vitimou e ainda hoje poderíamos contar com a argúcia do seu pensamento. Este homem simples, clarividente, que me deu a honra de me considerar seu “irmão gémeo nas grandes causas”, sempre tinha uma visão clara dos factos que influenciavam a vida e o mundo porque a sua mente era verdadeiramente livre, até das peias que, tantas vezes, impomos a nós próprios. O Padre Mário não se ajoelhava a altares, a um partido, a qualquer fonte de poder. Ele pugnava por uma mudança do mundo disseminando humanização através de algo semelhante a um sistema de vasos comunicantes, ou seja, dando-nos as mãos num fluxo de fraternidade cada vez mais amplo. E era irmandade o que a sua palavra espalhava, contra os poderes – o político, o religioso, o financeiro –, a favor dos pobres, dos fracos, dos desamparados, sem excluir desse caminho os que, como eu, pensavam de forma diferente e/ou eram ateus.
Conheci pessoalmente o Padre Mário em casa do nosso editor, amigo e irmão comum, Jorge Castelo Branco, e, não obstante a distância física que nos separava, tive a felicidade de partilhar com ele inúmeras iniciativas de carácter literário e cultural, algumas das quais aqui mesmo, na Unicepe.
Infelizmente, já não poderemos contar com a argúcia do seu pensamento para fazer luz sobre o tempo insano que vivemos. Um áspero tempo de marionetas em que políticos eleitos com o voto dos cidadãos aceitam ser, nos seus países, agentes dos interesses imperialistas. Têm nome e todos os conhecemos. Um deles condena à morte a juventude do seu povo apenas para que o seu país entre na NATO, ou melhor, para que a NATO tome conta do seu país. Outros não hesitam em impor sacrifícios aos seus povos para alimentarem uma guerra que tão-só visa alargar a globalização ao mundo e colocar nas mãos alemãs o controlo político sobre a Europa inteira. Vivemos um tempo ignóbil de mentira.
Nunca a manipulação das mentes atingiu a proporção a que se assiste hoje em dia. Nunca a cegueira foi tão vasta, nem tão vasta a ignorância. Nunca a divisão entre os fracos foi tão funda. Nunca a insegurança no dia-a-dia foi tão palpável, nem tão palpável a desesperança no futuro.
A melhor homenagem que poderemos prestar ao Padre Mário de Oliveira, e certamente aquela que ele mais desejaria, é que o prossigamos, continuando no futuro a sua luta. E, nessa luta, não seguiremos em frente sem entendermos a realidade como ela é e não como nos é dada a ver.
No mundo ocidental globalizado, é um erro pensar que a vida dos povos depende dos resultados eleitorais. Em Portugal, nada de significativo mudou nos últimos dias. As pessoas são as mesmas. Apenas vai mudando o cenário consoante as circunstâncias, as decepções e as manipulações. Hoje temos o que tínhamos há uma semana atrás: as mãos vazias daquela liberdade que pode mudar os dias porque pode mudar a vida. Essa liberdade, a verdadeira liberdade, continua arredia, longínqua, nunca a tivemos. O que temos e mantemos é a mesma capacidade para lutar por ela. Verdadeiramente, foi só isso o que sempre tivemos porque a vida, em cada momento, será sempre exclusiva consequência da luta política e social.
Eu gostaria de vos falar de uma mudança significativa que está a acontecer na sociedade sem que nós tenhamos consciência do seu verdadeiro impacto no viver colectivo. O mundo caótico em que vivemos está a sofrer as mais rápidas mudanças da história humana. Tudo o que era seguro ficou precário. Nunca a própria natureza humana mudou tanto num espaço de tempo tão curto. Em poucas décadas passámos de uma sociedade neurótica, basicamente controladora, assente em comportamentos estáveis e rotineiros, fiel a valores de honra e a sentimentos de remorso, para uma sociedade psicopática, de indiferença e desapego,  constituída maioritariamente por pessoas egocêntricas, conflituosas, irresponsáveis, imaturas, sem honra, sem culpa e onde as regras existem apenas para que os outros as cumpram. Quando estamos perante pessoas para quem o centro do mundo é o seu próprio umbigo, tal significa que nessas mentes os ideais de fraternidade não colhem eco nem apoio. Isso explica o maior interesse e a maior atracção dos jovens para com as organizações políticas de direita, que já é visível nos resultados eleitorais e mais se destacará em futuras eleições em Portugal e no mundo ocidental, onde o mesmo fenómeno acontece devido ao mesmo tipo de vivências e partilha da mesma cultura. O desaparecimento da família tal como a conhecíamos, que era a fonte da educação e acompanhamento permanente dos filhos até à idade adulta; os cacos em que se encontra a Escola, com o total desrespeito pela figura do professor; a precariedade das actuais relações afectivas na adolescência, que se quebram e se mudam como se muda de roupa, e a ausência de figuras públicas de referência inspiradoras de condutas dignas e coerentes, ditam o surgimento acelerado desta nova sociedade visceralmente individualista, infeliz, violenta, manipuladora, sem afectos e alimentando todo o tipo de dependências. Os ideais humanistas sofrerão um duro revés neste contexto e as organizações de esquerda serão severamente esquecidas nos actos eleitorais. Deveras preocupante, também porque a criminalidade violenta e a conflitualidade geral aumentarão significativamente. Isto conduz-nos a outro tema de premente reflexão. No mundo actual, os cidadãos apenas elegem os títeres que hão-de aplicar no seu país as condições que têm permitido à globalização avançar. São outros, bem longe de nós, os que comandam as multinacionais que controlam a economia global, que estão a traçar o futuro para o mundo. A perda de soberania aconteceu aquando da adesão à União Europeia e acentuou-se desde a queda do muro de Berlim. Esse muro simbolizou, aos olhos das populações, a separação entre dois sistemas políticos. A sua queda simbolizou também a falência do bloco socialista da Europa de Leste e o fim factual da Revolução de Outubro. Enquanto a esquerda não entender, assimilar e aprender das causas que levaram à degenerescência ideológica e consequente derrota do projecto mais fracturante, arrebatador e brilhante da história da humanidade, que encheu de esperança o coração dos pobres e desamparados do mundo, não é fácil voltar a atrair os povos para um caminho que abortou e todos os passos que dermos serão em vão. Lembremo-nos que foi a queda do muro de Berlim que promoveu a imediata intenção imperialista de transformar o mundo numa aldeia global. Tudo o que tem acontecido desde aí tem sido orquestrado, passo a passo, medida a medida, pelo grupo de Bilderberg e pelas cimeiras do Fórum Económico Mundial em Davos.
A democracia em que vivemos nada mais é do que uma farsa para assegurar que nos mantemos bem divididos, cada um entrincheirado no seu partido, fiel à sua ideologia, em estado puro, para que se não cumpram os interesses dos mais desfavorecidos nem se alcancem os objectivos que, nas sociedades capitalistas, injustas e desiguais, deveriam unir-nos a quase todos.
Quis o acaso que a partida do Padre Mário coincidisse com o início do conflito europeu na Ucrânia. Pela primeira vez na História estamos a assistir a algo novo: a uma guerra não-declarada dos países integrantes da NATO contra a Rússia em que os aliados são representados por um país terceiro, a Ucrânia. E, a breve trecho, se esta guerra terminar favoravelmente aos interesses globais, outra guerra idêntica começará. Será contra a China; os mesmos aliados, a que se juntarão o Japão, a Coreia do Sul e outros países do extremo oriente, representados na guerra por Taiwan. Todos nós sabemos que será assim porque todos estamos a ser testemunhas da montagem do cenário. Destes conflitos
destacam-se a cobardia política do ocidente para assumir a guerra, a concertação rigorosa de todos os meios de comunicação social, públicos e privados, e a consequente manipulação, quase diríamos científica, da mente e da opinião dos cidadãos que, ao invés de notícias e factos, estão a ser bombardeados permanentemente com mentiras, meias-verdades e propaganda.
Por isso, o programa de luta que nos espera no imediato parece óbvio: – A necessária e urgente criação de um órgão de comunicação isento, independente e livre dos poderes político e económico, com efectiva abrangência nacional, que difunda noticiários e muita, muita cultura. Sem esse passo, absolutamente fundamental, muito dificilmente sairemos desta teia; – A exigência da saída de Portugal da NATO e da União Europeia, porquanto são organizações que, sem princípios e sem coerência, recorrem à mentira e à agressão em prol da extensão e consolidação da globalização a todos os recantos do planeta. Um dos exemplos mais descarados da sua incoerência e do seu belicismo é o roubo do Kosovo à Sérvia, perpetrado em nome de direitos humanos que, por sua vez, não se reconhecem nos territórios palestinianos, onde Israel comete as chacinas que entende, sem sofrer uma única sansão, nem nas regiões de maioria russa da Ucrânia; – Estarmos de sobreaviso e preparados contra os efeitos nefastos que a 4.ª Revolução Industrial, em curso, irá trazer no imediato e no breve trecho. Já se divulga na imprensa o impacto, em número de desempregados, que a
Inteligência Artificial acarretará. E o panorama é assustador! Desta vez, a substituição do homem será uma realidade em todas as áreas de actividade humana, incluindo nas profissões criativas! E se é verdade que o progresso científico deverá ser desejável e bem-vindo, é fácil imaginar as consequências em termos de milhões de desempregados que trará ao mundo inteiro. Enquanto isso, os lucros das multinacionais aumentarão de forma inimaginável. E é bem possível que a implementação maciça da Inteligência Artificial traga com ela novas e mortíferas pandemias. Os laboratórios onde os vírus se produzem trabalham em sintonia com o dito progresso, saberão colocá-los no mundo na hora certa, para reduzir a população e evitar que multidões de desempregados coloquem o capitalismo em risco; – Lembrar o Padre Mário também deverá dar-nos consciência de que a luta não é por conquista de lugares neste poder, mas para derrubá-lo. Haverá outra maneira de construir um mundo humano?
Pelo pouco que sabemos e, principalmente, por tudo o que se prepara nas nossas costas que nem sequer imaginamos, o porvir vem carregado de inquietações e nuvens negras. Se quisermos ter uma palavra a dizer sobre o futuro é imperioso resistir ao modelo de mundo que nos está a ser imposto. Comecemos a resistência pela educação dos filhos, com valores humanos, com firmeza, com regras, com limites, com bons exemplos e também com muito amor, e sabendo dar as mãos ao outro, aos outros, ao jeito de vasos comunicantes preconizado pelo Padre Mário de Oliveira, na partilha de sentimentos e emoções e na luta por objectivos comuns de justiça social, igualdade, liberdade e paz no mundo. Essa é a única democracia em que eu verdadeiramente acredito!
Saibamos, pois, honrar-lhe a memória em cada acto do nosso dia-a-dia, por mais simples que seja, semeando afecto, espalhando solidariedade, despertando consciências!
Agradeço a honra do convite para estar presente nesta homenagem. É uma felicidade estar ao lado de amigos, entre amigos, a falar de um amigo que continuará a ser muito querido para todos nós! Agradeço o acolhimento afectuoso da Unicepe. Agradeço a todos vós por terem vindo. E agradeço por me deixarem partilhar convosco algumas preocupações que, tenho a certeza, seriam também preocupações do Padre Mário. Deixemo-nos, então, sem reservas, tocar pelo exemplo das suas práticas fraternas! Ousemos prossegui-lo!
Obrigado, queridos amigos, pela vossa atenção. Desejo-vos as maiores felicidades!

 

Libânia Madureira, Porto, Unicepe, 16 de Março de 2024.

Padre Mário de Oliveira, também conhecido como Padre Mário da Lixa, foi muito mais do que um simples presbítero da Igreja do Porto. Sua vida e obra foram marcadas por uma profunda humanidade, compaixão e um compromisso inabalável com a justiça e a liberdade.
Nascido a 8 de Março de 1937, em Lourosa, filho da Ti Maria do Grilo e do Ti David, orgulhava-se de suas raízes, mas principalmente de sua ligação com a “Ruah” – o sopro de vida, o espírito que permeia a existência humana em sua plenitude. Desde cedo, mostrou-se um pensador atento à diversidade do mundo, cujo olhar acutilante e visionário o conduziu por caminhos muitas vezes desafiadores. Sempre quis viver na simplicidade dos pobres, compartilhando as suas experiências; jamais buscou poderes, especialmente
os eclesiásticos, optando por se dedicar de corpo e alma à causa de uma humanidade mais justa e solidária.
Como presbítero, iniciou seu ministério em 5 de Agosto de 1962, na cidade do Porto. No entanto, seu papel transcendeu as paredes da igreja, abraçando uma missão que o levou a enfrentar os desafios mais prementes de sua época. Como professor de Religião e Moral nos Liceus Alexandre Herculano e D. Manuel II, no Porto, e Capelão Militar na Guiné Portuguesa, não hesitou em pregar o evangelho da paz, mesmo quando isso lhe custou a expulsão do território, após apenas quatro meses de serviço.
O compromisso de Padre Mário com os mais desfavorecidos da sociedade foi evidente em cada etapa de sua jornada. Como co-adjutor da Paróquia das Antas, no Porto, e pároco em Paredes de Viadores, Marco de Canaveses e Valadares, dedicou-se incansavelmente a evangelizar os pobres, o que lhe valeu exonerações e até mesmo prisões.
Após a Revolução do 25 de Abril de 1974, encontrou um novo caminho para expressar sua missão. Tornou-se jornalista-delegado do vespertino “República” e redactor principal de diversos jornais, incluindo “Página Um”, “Aqui” e “Correio do Minho”, antes de fundar e dirigir por mais de 22 anos o jornal “Fraternizar”.
Seu legado literário é vasto e fecundamente polémico, reflectindo sua busca incessante pela verdade e sua luta contra a ignorância e o obscurantismo. O “Livro dos Salmos, Versão TERCEIRO MILÉNIO”, sua 40a obra, é um exemplo da profundidade de sua reflexão espiritual e seu compromisso com a renovação da fé.
No entanto, foi em seu compromisso com a justiça e a liberdade que o Padre Mário deixou sua marca mais indelével. Pároco de Macieira da Lixa, em Felgueiras, foi preso duas vezes pela PIDE e julgado por suas convicções.
Sua resistência e coragem inspiraram muitos e continuam a ressoar numa sociedade que ainda luta pelos valores pelos quais ele dedicou sua vida. Hoje, seu legado vive, não apenas em suas obras e realizações, mas no espírito daqueles que continuam a buscar a verdade, a justiça e a liberdade!

Padre Mário de Oliveira foi, e continuará a ser, uma luz que guia os passos daqueles que se atrevem a sonhar com um mundo melhor… e que a sua obra, de mais de 50 livros publicados, capture a essência e o impacto do Padre Mário de Oliveira, bem como sua rica contribuição para a sociedade portuguesa e para além dela!
Neste meu jeito de ser (poeta), defino assim o meu amigo Mário:

“Em Louvor a Mário”
No crepúsculo dourado da lezíria,
ecoam os segredos d’um coração em desassossego.
Mário, o homem por excelência, irradia
a força serena de um abraço quebrando o sossego.
Jardineiro de estações infindáveis,
das planícies às alturas. Em teu caminho
semeaste a esperança em chãos incansáveis,
despertando a flor que brota no destino.
Na Primavera, teus olhos reflectem o brilho,
dos cristais que lavram a alma da terra.
Poema vivo, gerado no cadinho do trilho,
onde a vontade se ergue, mesmo sob a dor que encerra.
Teu olhar manso como a brisa da manhã,
a luz que se irradia… iluminando horizontes.
Voz que se ergue, desafiando a escuridão vã,
derrubando barreiras… rompendo frontes.
Expressão prolífica que suaviza as arestas,
com a honestidade de um coração em chama.
Como um vulcão, sua força contesta,
e a alma em forma de flecha… ao mundo proclama.
Querido Amigo Mário, em ti reside o refúgio
dos desfavorecidos, na palavra que persiste.
Tu és o farol no mar bravio… o abrigo,
onde a fé se sustenta… e a esperança existe!
Pedra viva da Igreja… firme e forte,
o seu alicerce é a fé… tua luz é a verdade.
Nas mãos do tempo… venceste a própria morte
Oh… lúcido cicerone… duma jornada de bondade!…

 

António M. Oliveira, Porto, Unicepe, 16 de Março de 2024.

Em Outubro de 2010, nesta mesma instituição, tive a honra de fazer a apresentação do ‘Livro da Sabedoria’, escrito pelo Padre Mário Oliveira.
Repito agora algumas das considerações dessa noite, a salientar o modo e o jeito do homem simples que conheci, livre de preconceitos e bem longe de quaisquer barreiras.
Mas começo por falar de mim, pecador por orgulho, e deixem que vos explique porquê: quando o Jorge Castelo Branco, me convidou para apresentar o livro, logo aceitei, apesar de ele me ter avisado ser uma empreitada de 400 páginas, a que orgulhoso, nem disse que não! Só pedi para conhecer o Pe. Mário, o padre da Lixa, de quem só sabia por alguns escritos, como a maioria das pessoas. Quando lá cheguei, a Macieira da Lixa, e lhe estendi a mão para um cumprimento respeitoso e formal, o Pe. Mário esticou os dois braços e respondeu-me com um abraço. Ainda nem tinha pegado no livro, mas aquele abraço mais me atiçou o orgulho.
E, naquela noite da apresentação confessei, sincera e humildemente, que deveria ter tido a Sabedoria de reconhecer a quase impossibilidade de fazer uma apresentação, a condizer com a dimensão da escrita do Padre Mário.
Cinquenta capítulos a explicar, maieuticamente, que é possível trazer a verdade à luz do dia, se descobrirmos o Essencial só pelo Afecto, lendo aquela montanha de capítulos a discorrer sobre a influência do Poder, na vida toda de um Ser Humano. Até por ter ficado a saber, logo no início, como nos roubaram a Palavra e não fazermos mais nada do que articular sons, nestes tempos de mercado em que não há lugar para o Ser Humano, por só haver lugar e tempo para a Mercadoria, tempos em que o mercado estrutura o Saber, mas não a Sabedoria, porque esta não se comprar nem se vender!
Porque estes tempos, já dizia então o Pe. Mário, ‘São os da incomunicação global, do ruído, do barulho e da intoxicação verbal, tudo através dos ecrãs da Comunicação Social, poderosíssimos meios de propaganda do mentiroso e assassino evangelho do Império Financeiro Global que os pariu a todos’.
Em pleno século XXI, é ainda o Medo a gerar submissões e menoridades, onde hoje vive a maioria das sociedades, porque os três poderes, o Patriarcal/Político, o Económico/Financeiro e o Religioso se unirem num só, o Poder Financeiro Global.
E, por isso, confessava o Pe. Mário, de cabeça bem levantada, ‘Só há uma solução, a de ir por Jesus e pelo seu Espírito’, como afirmava ir ele confiante todos os dias, e acrescentava, ‘Só assim seremos Seres Humanos cada vez mais plena e integralmente Humanos. Da mesma estatura de Jesus, o camponês/artesão de Nazaré, o filho de Maria!’
‘E sei do que falo’, dizia ainda o Pe. Mário, ‘por ser este o caminho que procuro percorrer, desde que nasci da Ti Maria do Grilo, jornaleira pobre a vida inteira, e do Ti David, operário pobre também a vida inteira, ambos felizes, cheios de Sabedoria, sem quaisquer ambições em ordem ao Saber e ao Ter, ao Poder e ao Lucro!’
Já roubei tempo de mais ao tempo desta homenagem ao Pe. Mário Oliveira, por tentar dizer, agora pobremente, de uma obra que, por orgulho encavalitei, mas que agora também, humildemente, continuo a reler e a aprender!

 

 

Nelson Ferraz, Porto, Unicepe, 16 de Março de 2024.

MÁRIO

quando num longínquo ano entraste pela primeira vez
naquele liceu no nosso liceu todos percebemos que eras capaz de rasgar as cortinas
ensinando que todas as perguntas podem ser portas.

mas foste mais longe: abriste brechas na penumbra daqueles tempos.
e os meninos da sala disseram que eras diferente. e chamaram-te amigo.
e ficaram com aqueles dias adolescentes vida fora.

depois seguiste o caminho o teu caminho fazendo diferenças na ordem desordenada
das instituições.
e a tua liberdade era uma liberdade de carne e osso
como de carne e osso era o Jesus que te fazia menino.
um menino corajoso. tu.

a tua obra fundiu-se em ti. uma humanidade que querias distribuir
como se fosse uma bula grátis.

e falaste sempre sobre o amor e a fraternidade imprescindíveis
aos seres que somos ou deveríamos ser.

avisaste toda a gente sobre a necessidade de sermos justos.

e humildes. e verdadeiros na simplicidade da conduta.

e combateste a verdade falsa dos ventos do poder.
renegaste o oiro e os pontos cardeais da existência vulgar.
com um sorriso. com uma serenidade inquieta.
e disseste mil vezes não ao silêncio fácil.
por vezes viram-te como messias.
por vezes muitas como sacrílego.

penduraste a religião no cabide das histórias.
talvez para salvar Jesus.

exemplificaste como se faz. do início ao fim.
foste o que disseste que era preciso ser-se.
e isso, Mário, é de se tirar o chapéu.

 

Cidália Fenandes, Porto, Unicepe, 16 de Março de 2024.

(ao Padre Mário)
I
Não te despeças ainda, bom amigo,
Não te completes de silêncios
Nem te cerques de indecisões
Preciso ainda do brilho do teu olhar
Para ver melhor o que se encontra para lá das intenções dos homens
Preciso do afago das tuas palavras
Para melhor entender a sabedoria do universo
Preciso do eco das tuas gargalhadas
Para melhor apreciar o canto dos pássaros
Preciso da imensidão dos teus passos
Para melhor percorrer o caminho que todos os dias se abre à minha frente
Preciso do calor dos teus braços
Para melhor descansar o meu peito que envelhece sem eu dar conta
Preciso da tua alma, da tua vida
És pilar, tronco, sol, água, pão.
Não te despeças ainda, meu amigo.


II
Não ouviu a minha voz, querido amigo,
Pedi-lhe para não se despedir
Que precisava de si
Que o mundo precisava de si
Mas alguém o esperava já e o chamava
E lhe deu a mão
Para caminhar outras veredas bem mais belas do que as que percorreu neste mundo
Onde lhe cortaram as pernas
Onde lhe colaram os pés na lama da indiferença.
Nunca puderam prender-lhe os braços
Que eram laços e abraços
Nunca puderam calar-lhe a voz
Que era guia, guarida, luz.
Pedi-lhe para não se despedir já, meu amigo,

Pilar, raiz, fonte, brisa.
Olho o horizonte e é impossível não ficar triste
Pela consciência da sua ausência
A morte é uma mentira
Não existe
Porque continua de pé ao lado das palavras
Olho os montes e é impossível não sorrir,
As suas gargalhadas estão presentes
No canto suave desta avezinha que me espreita na árvore vizinha,
O carinho sempre pronto estendeu-se já ao Universo
E pintou de vermelho as nuvens de fim de tarde
Vou contar-lhe um segredo,
Conhece bem as minhas loucuras
No momento em que resolveu partir
Transplantava eu uma figueira para um lugar mais livre, mais amplo, mais aberto para o sol
O homem é, meu amigo, a pequena figueira
Que será transplantada para outra dimensão.
Por tudo isto não vou ficar triste
Quando tiver saudades
Encontro-o no azul do horizonte,
No trino doce da pequena avezinha
Na pequena figueira plantada, agora mais livre.
Até sempre, querido amigo.

 

 

 

Carrinho (0)

Carrinho