No pó do meu baú
Hoje fui tocado pela saudade! Há muitos anos – já não me lembro quantos -, apontava, em folhas soltas de papel em branco as minhas confusões da adolescência. Com os olhos cerrados, fazendo buscas no meu cérebro, encontrei as coordenadas das minhas recordações: o sótão da casa, onde residia com a minha mãe. Quando me aproximei da porta, senti um arrepio que me levou à dúvida, entre o entrar ou evitar. Com um gesto de coragem – que me não foi fácil – abri a porta e entrei. Segui em frente, fechando-a nas minhas costas. Em passos vagarosos procurei as escadas estreitas em madeira, que davam acesso ao sótão. Subi degrau a degrau aquelas escadas – construídas em madeira de pinho francês num dos meus períodos de férias escolares. Num interruptor colocado ao lado da abertura da porta, liguei a fraca lâmpada que, pendurada na trave mestra do telhado, iluminava o espaço da arrecadação. Respirei fundo enquanto pausei para adaptação ocular à fraca iluminação. Passados segundos, olhei em volta e vi: uma bicicleta sem rodas, pendurada por uns arames de metal; um armário copeiro vazio e sem vidros nas portas; uma estante livreira com várias folhas soltas espalhadas pelas prateleiras e… a minha caixa, o meu baú – o meu “Eu”! Devagar, como ignorasse o que lá existia, abri a caixa de madeira onde guardava os meu desabafos, os meu gritos. Qual a minha surpresa: reparei na existência de pó sobre as folhas dos meus manuscritos… deveriam estar amarelecidas, julgava eu, mas não. Fiquei algum tempo estupefacto, numa atitude interrogativa. Soprei para o interior do baú e, já quase descoberta a folha cimeira pude ler: – Porquê só agora? Já fui, nunca estive ausente. Sabia que um dia voltarias a reiniciar a tua caminhada, nas palavras em forma de escrita. Segue, retoma, expande os teus sentimentos, os teus anseios. Não acompanhei… perdoa-me…
formato: 14,5 x 22,5 cm