O Grito – Ensaio sobre a lucidez
Este Grito ainda ninguém o ouviu, mas existe já, como substância irradiante a determinar-se viva. Pressinto-o, tão claro e nítido como a lágrima no olhar da criança magoada (dor física ou apenas sentimento de injustiça a ganhar voz no silêncio de cada gota) e nas palavras reprimidas de tanta gente ultrajada. Nele e por ele se engendra a vida. Tudo o que acontece, em todos os lugares, a todas as horas, o faz avolumar-se – não há mãos que o calem, enganadoramente meigas, determinadamente assassinas. Neste Grito nenhum ismo se vislumbra já, todos eles mortos e enterrados num mar de cinzas de promessas, de palavras deturpadas do seu real significado, vilipendiadas por abusadores conscientes da finalidade dos actos que fazem ou determinam. Toda a vida recente tem sido uma fanática deliberação de uns tantos, longe dos sempre tão propalados e louváveis objectivos comuns; uma vingança do facilitismo enfeu(ro)dado sobre a abnegação dos que vêm pautando a sua vida por valores intemporais, nos quais a sociedade se há-de por fim rever, definitivamente Humana.